Atravessei
o jardim solitário e sem lua,
Correndo
ao vento pelos caminhos fora,
Para
tentar como outrora
Unir a
minha alma à tua,
Ó
grande noite solitária e sonhadora.
Entre
os canteiros cercados de buxo
Sorri à
sombra tremendo de medo.
De
joelhos na terra abri o repuxo,
E os
meus gestos foram gestos de bruxedo.
Foram
os gestos dessa encantação,
Que
devia acordar do seu inquieto sono
A terra
negra dos canteiros
E os
meus sonhos sepultados
Vivos e
inteiros.
Mas sob
o peso dos narcisos floridos
Calou-se
a terra,
E sob o
peso dos frutos ressequidos
Do
presente
Calaram-se
os meus sonhos perdidos.
Entre
os canteiros cercados de buxo,
Enquanto
subia e caía a água do repuxo,
Murmurei
as palavras em que outrora
Para
mim sempre existia
O gesto
dum impulso.
Palavras
que eu despi da sua literatura,
Para
lhes dar a sua forma primitiva e pura,
De
fórmulas de magia.
Docemente
a sonhar entre a folhagem
A noite
solitária e pura
Continuou
distante e inatingível
Sem me
deixar penetrar no seu segredo.
E eu
senti quebrar-se, cair desfeita,
A minha
ânsia carregada de impossível,
Contra
a sua harmonia perfeita.
Tomei
nas minhas mãos a sombra escura
E
embalei o silêncio nos meus ombros.
Tudo em
minha volta estava vivo
Mas
nada pôde acordar dos seus escombros
O meu
grande êxtase perdido.
Só o
vento passou pesado e quente
E à sua
volta todo o jardim cantou
E a
água do tanque tremendo
Se
maravilhou
Em
círculos, longamente.
–
Sophia de Mello Breyner Andresen,
do
livro “Coral e outros poemas”
arte
Nydia Lozano