quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A Raiz



 poesia dedicada a Moacyr Felix
 
Num campo de silencia
onde pastam manhãs
estou pelo que sou.
 
Canção azul de cobre
me chega pelo vento:
em sua dor me deito.
 
Um espesso lençol
com ternura de pinhos
enrola o coração.
 
O sangue levanta
no espaço bandeiras
de fogo e limão.
 
Até a pedra entrega
seus ásperos segredos
ao cristalino dia.
 
A raiz arranca
com sua garra de amor
a rosa do meu peito.
 
E reparto o diamante
que a infância me deu

Thiago de Mello
arte Daniel Oconnell

Perplexidades


a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo 
e todo o existir consiste nisto 
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo 
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

Ferreira Gullar

Juventude



Um perfume como uma ácida espada
de cerejas num caminho,
os beijos do açúcar nos dentes,
as gotas vitais resvalando nos dedos,
a doce polpa erótica,
as eiras, os paióis, os incitantes
lugares secretos das casas amplas,
os colchões dormidos no passado, o acre vale verde
olhado de cima, da vidraça escondida:
toda a adolescência molhando-se e ardendo
como uma lâmpada derrubada na chuva.

Pablo Neruda


Eu não me calo


Eu não me calo.

Eu preconizo um amor inexorável.

E não me importa pessoa nem cão:
Só o povo me é considerável,
Só a pátria é minha condição.

Povo e pátria manejam meu cuidado,
Pátria e povo destinam meus deveres
E se logram matar o revoltado
Pelo povo, é minha Pátria quem morre.

É esse meu temor e minha agonia.

Por isso no combate ninguém espere
Que se quede sem voz minha poesia.

Pablo Neruda 
arte Christian Schloe

Imagem




Uma coisa branca,
Eis o meu desejo.

Uma coisa branca
De carne, de luz,

Talvez uma pedra,
Talvez uma testa,

Uma coisa branca,
Doce e profunda,

Nesta noite funda,
Fria e sem Deus.

Uma coisa branca,
Eis o meu desejo.

Que eu quero beijar,
Que eu quero abraçar,

Uma coisa branca
Para me encostar

E afundar o rosto.
Talvez um seio,

Talvez um ventre,
Talvez um braço,

Onde repousar.
Eis o meu desejo,

Uma coisa branca
Bem junto de mim,

Para me sumir,
Para me esquecer,

Nesta noite funda,
Fria e sem Deus.


Dante Milano
arte Dorina Costras

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Outono


Parece Primavera o Outono em flor…
Tão radioso de vida
tem pena de morrer!
Translúcidas,
as tardes adormecem,
em salva de oiro imensa…

Primavera que morre de amargura
em religioso adeus:
No seu cair de folhas,
há músicas distantes,
vozes de sonhos mortos…

Que extrema-unção de encanto,
no suspirar das coisas…

Maria de Santa Isabel
arte desconheço autoria