sexta-feira, 15 de junho de 2018

A Noite


Ave do céu, a noite abriu as asas
e a sombra adormeceu os sons e as cores.
Um manto negro-azul vestiu a tarde,
evola-se em perfume a alma das flores.

Penteia a Lua os pálidos cabelos,
em madeixas, em fios de luar.
Agora toda a música é silêncio,
silêncio grave, sonho a flutuar.

Pulsa em surdina o coração do vento,
embalando em cadência, a folha, o ninho.
Flor-de-lótus no lago adormecido,
o cisne fecha as pétalas de arminho.

Na terra viva de milhões de vidas,
as sementes palpitam e as raízes:
rasgam-lhe a pele ardente as mãos dos homens,
tapam-lhe as mãos da chuva as cicatrizes.

Um frêmito perpassa, o vento acorda,
a chuva cai, a noite fecha as asas…
Estrela a estrela, apagam-se as estrelas,
a manhã, casa a casa, acende as casas.

A cor e os sons despertam; canta a fonte
um canto de água, balbuciante e vago.
Surgem da noite os sete véus da aurora,
desfolha-se o arco-íris sobre o lago.

Fernanda de Castro
In 70 Anos de Poesia, 1989

Nenhum comentário:

Postar um comentário