quinta-feira, 28 de outubro de 2021

INSTANTES

 

Caminho pela encosta de uma colina verdejante
Grama, florzinhas na grama,
como numa gravura para crianças.
O céu nevoento já azulando.
A vista de outras colinas se amplia em silêncios.

Como se aqui não tivesse havido cambrianos e silurianos
rochas rosnando uma para a outra,
abismos elevados,
noites em chamas
e dias em nuvens de escuridão.

Como se por aqui não tivessem se movido as planícies 
em delírios febris,
calafrios gelados.

Como se só alhures tivessem fervilhado os mares
e rompido as margens dos horizontes.

São nove e trinta, hora e local.
Tudo no lugar e em assente concórdia.
No vale, um riacho pequeno como riacho pequeno.
Um caminho em forma de caminho desde sempre e sempre.

Um bosque simulando um bosque pelos séculos dos séculos, amém,
e  no alto, pássaros em voo no papel de pássaros em voo.

Até onde a vista alcança, reina aqui o instante.
Um daqueles instantes terrenos
que se pede que durem.

Wislawa Szymborska
de Um amor feliz 
(tradução de Regina Przybycien)
arte Vincent Van Gogh

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