quinta-feira, 17 de novembro de 2022

XIV

 


 Quando  flores e nuvens,
mosaicos de silêncio repentino,
       frescos vales e montes,
onde a erva cresce e o gado se apascenta
        e o rio a sua prata.

oferece, gentil, à móvel brisa
        de sede sossegada,
quando tudo o que tenho for lembrança,
        que será do que vejo,
se a mais fiel memória transfigura

        o que lembra? No entanto,
o mesmo milho crescerá no campo,
        repetindo o ritual
de há milênios; as mesmas - outras águas 
        espelharão no dorso

de vidro movediço os mesmos ramos.
        Estas serão as árvores,
as verdadeiras, íntegras, antigas,
        que só com o pensamento
eu não alcançarei em plenitude

        de silêncio e de vida.
Pois uma coisa é ter, outra, lembrar.
        Uma coisa é viver,
viver em bruto, o sol dando na pele,
         o vento levantando

cortinas de esperança e esquecimento;
         outra coisa é criar.
Criar quase prescinde do que existe.
         o que existe é somente
um rascunho ou um ponto de partida.

        Enquanto posso, vivo
a fértil realidade destes longes.
        Laboriosa construo
com este mel, para os futuros sonhos,
        aprazível morada.

Marly de Oliveira
de Obra Poética Reunida


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