domingo, 27 de novembro de 2022

MEMÓRIA DA CHUVA



    












     Talvez o Espírito de Deus pairasse
sobre a face das águas,
mas só o que ele,
                         o menino insone,
viu
foi o escuro e as gotas que caíam 
num murmúrio.
                           Foi só
o que viu
e ouviu,
além da sirene do Cine Glória
em seu alarme
e a avó falando baixinho à Virgem Santíssima,
e os Lobisomens no vento,
e na imaginação o açude 
solto nas ruas,
na praça,
subindo até tanger o sino da igreja
do Divino.

Talvez o Espírito de Deus pairasse
sobre as nuvens,
mas não estava lá quando veio a manhã
e as nuvens se esgarçaram 
                                       e o azul foi alagando
o céu
          e o açude respirava
serenamente
entre as margens pantanosas e a muralha de pedra.

E todos
estavam felizes.
                          Todos.
                                     Menos um:
                                                        aquele,
o menino insone,
que perdera seu reino submerso.

Ruy Espinheira Filho
de Memória da Chuva
foto Schutterstock

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